Dever de sonhar...

Dever de sonhar...
"Eu tenho uma espécie de dever. Dever de sonhar, de sonhar sempre, pois sendo mais do que um espetáculo de mim mesmo, eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso. E assim, me construo a ouro e sedas, em salas supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho entre luzes brandas e músicas invisíveis." ......(Fernando Pessoa)

Minha preferida...

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Escritora e Jornalista .....Martha Medeiros

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Não canse quem te quer bem. - Martha Medeiros

Pode parecer improvável, mas, não duvidem desta verdade: os apaixonados também cansam. Qualquer pessoa que já esteve apaixonada ou já teve um parceiro apaixonado sabe que durante a paixão, tudo é suportável. Não se trata de estar disposto a tolerar os porres dele ou as crises de enxaqueca dela. Quando se está apaixonado, os porres deles são engraçados, e as crises de enxaqueca dela são fofas. O apaixonado sente-se até um pouco honrado em limpar o vômito ou cuidar dela. Quando se está apaixonado, qualquer coisa – qualquer coisa – que diga respeito ao objeto da paixão lhe desperta o interesse e a vontade de estar junto.
Mas, desculpem a minha inconveniência, paixão acaba. Puf! Vira poeira. Não que não sobre nada depois dela – às vezes sobra. Mas o que sobra pode ser suficiente para, no máximo, o sujeito permanecer no relacionamento apesar dos porres e das crises de enxaqueca. Mas gostar da situação, ter prazer em ajudar o bêbado ou em levantar às 3h da manhã para levar a moça à emergência, esquece! Depois que a paixão acaba, o máximo que o sujeito faz é trazer um balde para a beira da sua cama ou ligar para uma farmácia que faça tele-entrega. E com má vontade!
Conheço um casal que depois de 18 anos e três filhos, terminou o casamento por cansaço: o cara disse estar simplesmente cansado de tentar conquistá-la. Sim, ele passou 18 anos e três gravidezes tentando fazê-la corresponder-lhe. Não funcionou – e ele, como não poderia deixar de ser, cansou. Casou com outra mulher pouco tempo depois. Disse ele que não sente pela atual o que sentia pela ex, mas pelo menos agora ele se sente quite com a parceira: não dá mais do que recebe, e está feliz assim. Dar mais do que se recebe é outra coisa deveras cansativa!
Posso estar parecendo pessimista, mas isso é uma questão de ponto de vista. Para o apaixonado, que é escravo de sua paixão, não há perspectiva mais otimista do que a do fim da paixão e o restabelecimento de sua dignidade. O fim da paixão é a sua carta de alforria, sua libertação. A partir dela, ele passa apenas  a querer bem. E notem que o “apenas” é uma força de expressão. Nos dias de hoje, ter alguém que lhe queira bem além de seu pai e sua mãe é um privilégio inestimável. Por isso mesmo, convém não cansá-lo." - Martha Medeiros
Crônica publicada no Jormal O Globo em 21/01/2012.